Bem-vindo(a) à coluna Reserva de Mana do blog da Mulligan Geek Store, escrita por Diogo Mussalem S. Semanalmente, às quintas-feiras, traremos temas relacionados ao Magic: the Gathering, abordando metagame, deck techs, comunidade, e game plays.

 

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Magic é um jogo com regras e interações muito complexas. Para iniciantes, certamente não está entre os jogos mais difíceis de se aprender. Mas quanto mais nos aprofundamos no entendimento do jogo, mais cartas conhecemos e mais interações nos são apresentadas. A partir daí, quanto mais competitivos buscamos ser dentro do jogo, mais definições do que pode ou não ser feito nos torneios nos são impostas.

 

Com o aumento da nossa percepção de competitividade no Magic, também, aumenta a nossa busca por fatores que influenciem nosso sucesso. Com o tempo, aprendemos os melhores momentos para jogarmos nossas cartas ou a melhor proporção entre terrenos e mágicas para a construção do nosso deck de forma a nos dar a melhor chance de ganhar. Descobrimos termos-chave, como “na sua manutenção” ou “em resposta”. Aprendemos a blefar, e nos sentimos felizes em conseguir ludibriar o oponente.

 

Não é de se surpreender que, eventualmente, esses pequenos caminhos que podemos aprender para ter melhores resultados comecem a ficar cada vez mais raros. Daí, começamos a testar os limites das regras. Até onde podemos ir sem ferir as regras? Infelizmente, a complexidade do ambiente “legal” do Magic cria o que é comumente chamada de zona cinzenta: aquela área de atitudes que por vezes são consideradas sujas, por vezes não. Às vezes a comunidade entende como uma questão ética, por não ser explicitamente uma atitude proibida e punível pelas autoridades. No fim, para muitos, entender como melhor circunscrever as regras é parte do jogo.

 

É comum que essas atitudes advenham da oportunidade. Um jogador que não vai ao torneio com a intenção de roubar, mas acaba adquirindo alguma vantagem indevida em um momento de distração do oponente. “Não tem problema, ninguém viu.” Em muitas situações, por outro lado, essas atitudes são tomadas sem dolo. Um mal entendimento de como o jogo deve funcionar pode levar jogadores, inclusive os mais casuais, a ultrapassarem “acidentalmente” algum limite que não deveriam, sem a percepção de oponentes e juízes.

 

Nem tudo está perdido! Um esforço pessoal de cada um de nós para evitar que estas situações ocorram é muito bem-vindo. Tanto para não fazer, quanto para estar atento o suficiente para perceber se alguém o fizer. Selecionei algumas atitudes de jogadores que são muito comuns — bem mais do que gostaria — e gostaria de discutí-las um pouco.

 

  • Espiar as cartas do oponente

 

Uma das manifestações de vantagem indevida mais comuns e que mais me incomoda num nível pessoal é aquela espiadinha nas cartas do oponente enquanto corta seu deck. Não vamos nem falar de atitudes mais radicais que figuram diretamente como cheating, como manipular a posição das cartas do deck do oponente quando ele não está atento.

 

Infelizmente, é muito usual encontrar jogadores que não possuem o cuidado de tirar as cartas do oponente do próprio campo de visão ao cortar o baralho. Pode não ser a intenção do jogador (e muitas vezes não é), mas esta atitude engendra dois problemas: (1) dá informação extra, fornecendo-lhe uma vantagem indevida na partida antes mesmo de começar o jogo e (2) abala a confiança pessoal do seu oponente em você.

 

Ao ser capaz de ver mesmo uma carta sequer do baralho o seu oponente, em diversas situações você já é capaz de saber contra qual arquétipo você está jogando, afetando (positivamente, para você) suas escolhas desde a primeira decisão do jogo. No mínimo, terá a informação de que cartas jogar em torno durante a partida. Fora isso, esta atitude “inocente” pode minar um pouco da confiança que seu oponente deposita em você, e ele pode muito bem ser um amigo. Falo por experiência: sinto-me incomodado toda vez que um amigo corta meu deck sem tirar a face das cartas do seu (e, por certa extensão, também do meu) campo de visão. Mesmo que eu tenha 99% de certeza que ele não está de fato olhando para as cartas, esse 1% é bastante incômodo no nível pessoal.

 

 

Outras formas de obter informação indevida, beneficial para você e prejudicial aos outros jogadores, incluem dar aquela espiadinha básica durante os picks de um draft, esperar em pé seu oponente desconhecido de um torneio grande sentar-se e retirar seu baralho da deckbox para descobrir o que vai enfrentar antes de começar a rodada, ou visualizar cartas na mão de um oponente incauto, sem avisá-lo que estão à vista.

 

Um clássico exemplo é o da Faccao Vendilion: se você conjura a fada com a intenção de dar o alvo da habilidade desencadeada em si mesmo e seu oponente menos experiente imediatamente revela a própria mão, antes que você possa sequer anunciar o alvo, o que você faz? Decora toda a mão revelada do oponente antes de falar que o alvo era si mesmo? Ou evita olhar as cartas indevidamente reveladas e imediatamente avisa ao oponente que o alvo não é ele? Sem dúvidas, já estamos entrando na seara da ética com este exemplo, mas não é por isso que deixa de ser um exemplo de vantagem por informação indevida, dependendo de como você escolha agir.

 

  • “Já baixei land este turno?”

 

Por termos informações demais para processar durante um jogo de Magic, é bastante comum que nas profundezas de alguma partida alguém se esqueça se já realizou alguma ação que só é permitida uma vez por turno. Afinal, se a ação só é permitida uma vez por turno, existe um bom motivo para isso. Se fazemos alguma ação destas mais de uma vez por turno, estamos jogando outro jogo, não Magic (jogar com Azusa, Perdida mas Procurando é roubo!!!!!!!!!111).

 

Azusa, Perdida mas Procurando

 

Felizmente, é fácil identificar se já desviramos nossas permanentes ou se atacamos em um dado turno. O que pode ser difícil, por ser uma ação tão comumente “leviana”, é identificarmos se já baixamos o terreno do turno. Daí a tão comum pergunta ao oponente: “já baixei land?” Se nós não sabemos, que dirá nosso oponente? Claro, a pergunta em essência não carrega malícia. O problema é quando ambos os jogadores “acham” que não (o que é o mais provável de ocorrer, se houver a dúvida em primeiro lugar), acarretando numa infração das regras do jogo. Alguém acaba com um terreno a mais na mesa.

 

Obviamente, o problema não se reduz a ser acompanhamento da pergunta. É comum simplesmente baixar um terreno no começo do turno, realizar muitas ações durante o mesmo turno e, ao fim, baixar mais um terreno. Muitas vezes por pura desatenção, mesmo. No fim das contas, porém, o intento não tem relevância: as regras foram quebradas do mesmo jeito, intencionalmente ou não, e uma (discutivelmente grande) vantagem foi adquirida indevidamente.

 

Esta questão tem sido até alvo de debate nas redes sociais. O jogador profissional (e guru do Living End nas horas vagas) Travis Woo tem denunciado a jogada de terrenos extras por turno como um problema grave, comparável a comprar cartas extras. Você concorda com essa definição da gravidade do ato?

 

 

TWoo na sua cruzada contra os terrenos extra (leia de baixo para cima)

 

  • Tentar reduzir aleatoriedade

 

Quem nunca separou terrenos e mágicas no seu próprio baralho antes de embaralhar? Esta ação, na sua forma mais completa, é identificada pelo termo inglês mana weaving. Separa-se terreno-mágica-mágica, terreno-mágica-terreno, ou qualquer outro padrão que seja: é errado. Até nas suas formas mais simples, como aproveitar que sacrificou uma fetchland para separar duas cartas iguais que estão “““““““““coladas””””””””” no deck, é uma ação que não faz o menor sentido — e, pior, se sequer chegar a ser útil, figura fora das regras e oferece uma vantagem indevida.

 

A questão é a seguinte: a aleatoriedade é parte absolutamente integral do jogo. Se dois ou três Raio estão “colados” no fundo do seu deck, não é sua prerrogativa reposicioná-los. Ou você não embaralhou seu deck suficientemente — e o erro já está partindo daí — ou, pasme, existe de fato uma chance real de dois ou três Raios estarem colados no fundo do seu deck. Lide com esta variância.

 

“Mas, Diogo, qual o problema se eu vou embaralhar meu deck de qualquer forma?” Esse é exatamente o problema — ou melhor, a falta de lógica nesta atitude. Ao embaralhar um deck, o que se espera é que você embaralhe o suficiente para que ninguém saiba ou tenha controle sobre a posição de qualquer carta. Qualquer coisa diferente disso e você estará infringindo as regras do jogo. Logo, a manipulação que você fez antes de randomizar o deck não pode ter tido absolutamente nenhuma eficácia. Se não teve, foi pura perda de tempo; e pode, inclusive, fazer seu oponente duvidar de sua idoneidade (“ele(a) tá mexendo no deck, será que vai embaralhar suficientemente ou tá tentando me roubar?”)

 

Eu entendo que old habits die hard. Às vezes é só uma prática adquirida quando novato no jogo e mantida. Apesar de pouco nociva, vale a pena tentar abandoná-la, pelos motivos citados. Além da perda de tempo precioso durante a rodada de um torneio, você não quer guardar sequer 0.1%, 1% ou 10% de semelhança com algo como o motivo da suspensão de Fabrizio Anteri, não é? 

 


 

Este assunto certamente é muito mais profundo do que o que expus aqui. Minha intenção foi a de falar sobre o que está na superfície, de tentar criar atenção para essa realidade que nos envolve e que existe muito mais por causa de hábitos do que por más intenções. Também, a quantidade de atitudes dentro da zona cinzenta das regras não se resume a essas. Espero voltar a abordar este tema no futuro.

 

O importante é estarmos sempre aprendendo e evitando repetir erros já cometidos. Assim como fazemos com nossas jogadas, façamos com a convivência nos torneios. Afinal, jogamos este jogo para nos divertir, não é? Então que a competitividade nunca atropele a diversão.

 

-Diogo

 

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